A Associação Portuguesa de Críticos de Teatro atribuiu o Prémio da Crítica, relativo ao ano de 2008, a João Brites pela criação de Saga - Ópera extravagante.
O júri foi constituído por Ana Pais, Constança Carvalho Homem, João Carneiro, Maria Helena Serôdio e Rui Pina Coelho.
O mesmo júri decidiu ainda atribuir três Menções Especiais, respectivamente, à actriz Carla Galvão, ao encenador Miguel Loureiro, e ao encenador Nuno Cardoso.
A distinção atribuída pelo júri da APCT a João Brites sublinha o que, no seu trabalho criativo realizado em 2008 com o bando, se revelou consistente com uma opção estética que vem construindo inventivamente há mais de 30 anos, mas que não exclui a surpresa e, por vezes mesmo, o assombro. Foi manifestamente o caso do espectáculo Saga – Ópera extravagante, uma produção ousada que irrompeu no claustro interior do Museu de Marinha (em Belém) e que se revelou original na concepção, arrojada na realização cenográfica, bem como festiva na componente musical e na voz de cantores líricos, populares e de heavy/rock.
Interpelando uma vez mais lugares importantes da nossa literatura e do nosso imaginário, João Brites partiu aqui de dois contos de Sophia de Mello Breyner Andresen (Saga e Silêncio) para os reconciliar com uma vibrante e comovente partitura operática de Jorge Salgueiro, a que se acrescentava uma impressiva presença de 60 músicos da Banda da Armada e interpretações notáveis de cantores e actores. Uma criação invulgar que conferia espessura simbólica aos sentimentos evocados nos textos de Sophia e que reconstruía em cena algumas das perplexidades que atravessam a interrogação de nós próprios na cultura portuguesa.
Sobre a attrubição da Mensão especial à actriz Carla Galvão, o juri refere que, desde cedo a jovem actriz acostumou-nos a trabalhos de grande apuro e exigência, mas no ano transacto atingiu patamares de particular excelência. Depois de nos encantar com a narração mágica de Contos em Viagem: Cabo Verde (Teatro Meridional, 2007), atingiu-nos com a brutal recriação de uma filha prostrada na cama pela doença em Acamarrados (Artistas Unidos), para em seguida nos maravilhar com a jovialidade contagiante de uma neta sonhadora e cantora em Canção do vale (Teatro dos Aloés). Actriz com uma identidade artística bem definida, Carla Galvão habita de forma intensa os universos simbólicos em que se movimenta e põe a sua vasta paleta expressiva ao serviço dos espectáculos e dos diferentes projectos que vai abraçando sempre com a mesma imensa generosidade e com a mesma qualidade superlativa
Sobre o encenador Miguel Loureiro, refere também o juri que ao longo do seu percurso como actor e encenador, sobretudo nos projectos que promoveu, desenhou um território único, revelador de um imaginário exuberante mas depurado, sustentado por uma sólida e erudita linha de interrogações sobre o teatro e a performance. Em 2008, depois do estival Strange Fruit, a sua encenação de Juanita Castro, de Ronald Tavel (estreado como filme pela mão de Andy Warhol, em 1965), surgiu como uma inesperada pedra no charco no panorama performativo português. Reunindo actores e afectos em torno de um projecto sem outros recursos que os de uma logística básica e camaradagem profissional, Juanita não só firmou um extraordinário sinal da vitalidade do fazer teatral, tantas vezes abafado por ambições desmedidas ou fórmulas gastas, mas também constituiu uma brilhante e oportuna interpelação da história da performance e, consequentemente, do seu lugar nela. Por isto, este projecto mereceu uma menção especial do júri que assim se declara em total desacordo com a afirmação do encenador na folha de sala "Juanita Castro é um espectáculo que poderia não ser feito". Ainda bem que o fez.
Por último, o juri considerou que, enquanto encenador, Nuno Cardoso tem vindo a descrever nos últimos anos um notável percurso de apropriação dos clássicos da dramaturgia europeia, dentre os quais se destacam Ibsen, Wedekind e Büchner. 2008 foi o seu ano de estreia com Tchekov, tomando como laboratório uma peça de juventude, a pérola irregular a que convencionou chamar-se Platónov. Nuno Cardoso assina um espectáculo excepcional que devolve com vigor e sageza o capítulo introdutório da mais familiar narrativa tchekoviana: ruína, paralisia, futilidade, inconstância. O encenador chama velhos e novos cúmplices à construção de uma atmosfera encantatória onde se sucedem, por entre os serões de província, pequenos delitos e hesitações. Com um conjunto de intérpretes justíssimo e uma acentuada vertente coreográfica e visual, Platónov foi, sem dúvida, um dos vértices do teatro que pudemos ver em 2008.
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